A cumbia rebajada, um fenômeno cultural profundamente enraizado em Monterrey, no México, surgiu como um subgênero único e acidental da cumbia na década de 1960. Essa variante desacelerada da cumbia tradicional foi criada por Gabriel Dueñez, fundador do sistema de som "Sonido Dueñez", e rapidamente ganhou popularidade na região.
A história da cumbia rebajada está ligada à imigração de colombianos para a cidade de Monterrey na segunda metade do século XX, além da importação de discos da Cidade do México. Nessa época, gêneros musicais colombianos como a cumbia, o vallenato e o porro começaram a se popularizar através de bailes públicos e festas, especialmente em bairros como a Colônia Independência, conhecida como "Indepe". Esse movimento deu origem ao fenômeno conhecido como "colombias" ou "lo colombia" nos anos 60.
De acordo com Gabriel Dueñez, um sonidero com quatro décadas de experiência e colecionador de música colombiana em Monterrey, a cumbia rebajada surgiu de maneira acidental. Certa noite, o Gabriel enfrentou um problema com seu sistema de som Rapson. "O Rapson estava tocando há seis ou sete horas sem parar", disse ele à BBC em 2021. "O motor superaqueceu e começou a desacelerar, e foi aí que o som rebajado surgiu." A música desacelerou drasticamente: a voz na faixa ficou mais profunda, como em uma cena de câmera lenta, as notas do acordeão se alongaram e houve mais espaço entre cada raspada do guiro. As pessoas continuaram dançando, cativadas por esse novo som.
O termo "rebajada" pode ser traduzido de várias maneiras — desacelerada, trazida para baixo, rebaixada — refletindo a origem do subgênero. Cumbias regulares podem ser submetidas a uma "rebaja" por um sonidero, se for esse o som desejado.
Com o tempo, os participantes desses eventos passaram a pedir que Dueñez tocasse as músicas no ritmo "rebajado", e não na velocidade normal. Assim, Gabriel e outros vendedores de Monterrey começaram a comercializar cassetes e posteriormente CDs com versões rebajadas de cumbias populares. Essa prática se tornou parte da cultura local, influenciando os grupos de música colombiana de Monterrey a compor e interpretar nesse ritmo. A cumbia rebajada e a subcultura "colombias" permaneceram em Monterrey, sendo parte das características do fenômeno cultural chamado "cholombiano".
Nos arredores urbanos de Monterrey, a cumbia rebajada ressoou profundamente com a juventude local, particularmente com aqueles que se identificavam com a subcultura "Kolombia"—um grupo conhecido por sua moda distinta inspirada na cultura Cholo e por sua paixão tanto pelo hip-hop quanto pela cumbia rebajada. A música forneceu uma trilha sonora para suas vidas, oferecendo um senso de identidade e escape em uma cidade muitas vezes marcada por desafios socioeconômicos.
Entre os exemplos de sucesso da cumbia rebajada, destaca-se "La Danza del Mono" do organista mexicano Lucho Gavilanes, que foi desacelerada de 110 bpm para 93 bpm, criando um ritmo hipnótico que se tornou um clássico dentro do gênero. Outro destaque é o "Capricho Egipcio" do Conjunto Típico Contreras, uma faixa equatoriana que mistura melodias orientais com uma sonoridade psicodélica, mostrando a versatilidade do subgênero.
Inspirados pela moda dos "cholos" californianos e por influências locais, os Kolombianos — também chamados de Cholombianos ou simplesmente "los Colombia" — emergiram na Independencia nos anos 2000. O visual Kolombiano é marcante: bermudas largas e camisas de botão, tênis de cano alto, penteados carregados de gel com costeletas mais longas que as de seu cantor country favorito, e uma mistura de símbolos católicos e indígenas como a Virgem de Guadalupe e rosários.
Eles criaram um estilo de dança difícil de imitar, frequentemente fazendo um símbolo de estrela com as mãos para significar sua associação com a cultura Kolombiana. Vários grupos Kolombianos começaram a se formar com o único propósito de se reunir para dançar cumbia rebajada.
Conforme explicou o jornalista local David Marcial Pérez, os Kolombianos eram o oposto do cowboy branco, a figura tradicional de Monterrey. Principalmente homens e mulheres de cor de origens marginalizadas, os Kolombianos estavam cientes de sua alteridade no contexto socioeconômico da cidade, um fato constantemente reforçado pelas autoridades locais. Os Kolombianos eram estigmatizados por sua aparência e, às vezes, alvos arbitrários da polícia. "Demoramos muito tempo para perceber, como sociedade, que esses eram apenas jovens expressando que se sentiam marginalizados", disse Ivonne Azpeytia, organizadora do Monterrey Cumbia Fest, à BBC.
Os primeiros anos de 2000, particularmente de 2006 a 2014, foram difíceis para Monterrey. A Guerra às Drogas teve um impacto devastador nas comunidades desfavorecidas, desencadeando ondas de violência. Esse contexto suprimiu a cultura Kolombiana e forçou muitos de seus membros a repetir a história das pessoas que trouxeram a cumbia para eles em primeiro lugar: migrar para o norte.
La Colombia Chiquita
A cultura Kolombiana diminuiu ao longo dos anos, mas a cumbia colombiana e a cumbia rebajada continuam fortes. Os moradores da Colonia Independencia chamam seu bairro de "La Colombia Chiquita". Bandas como Los Socios de Colombia, Los Niños Vallenatos, Pasión Vallenata, La Universidad de la Cumbia e La Tropa Colombiana, entre outras, continuam a honrar a cumbia colombiana à sua maneira.
Gabriel Dueñez permanece em sua casa no bairro, cercado por sua coleção de discos de cumbia e o mesmo sistema de som Rapson que primeiro presenteou Monterrey com ricas e saborosas cumbias rebajadas. Hoje em dia, embora a rebajada seja feita digitalmente — desacelerando faixas de cumbia em computadores e carregando-as no YouTube — ainda a apreciamos como desde o primeiro dia.
A estética rebajada também influenciou o movimento "sonidero", onde grupos como Sonido La Changa e Sonido Siboney continuaram o estilo, manipulando o tempo de antigas canções colombianas e transformando-as em sucessos no México e na América Central. De acordo com o DJ e produtor musical Toy Selectah, a cumbia rebajada é "o dubstep da cumbia". DJs, produtores e músicos de diferentes nacionalidades têm misturado a cumbia rebajada com outros ritmos, como dubstep e reggae, expandindo ainda mais o alcance e a influência desse subgênero único.
Além de seu impacto no México, a cumbia rebajada também encontrou ressonância em outras partes do mundo. Na Argentina, por exemplo, o gênero influenciou o surgimento de estilos como a cumbia villera, que também incorpora ritmos desacelerados e elementos eletrônicos. Hoje em dia, artistas contemporâneos, como a banda Kumbia Boruka, continuam a celebrar e reinventar a cumbia rebajada, mantendo viva essa tradição musical tanto no México quanto em países como França, onde a banda é baseada.
Embora a cumbia rebajada nunca tenha alcançado uma popularidade global massiva, sua influência persiste dentro das comunidades que a abraçaram, servindo como um testemunho do poder da música em criar novas expressões culturais, mesmo a partir de um mero erro técnico. A coletânea "Saturno 2000 – La Rebajada de Los Sonideros 1962-1983" é um exemplo recente de como essa herança musical continua a ser preservada e apreciada, oferecendo uma visão abrangente da evolução da cumbia rebajada ao longo de várias décadas e em diferentes países.
Recentemente, a banda brasileira Disstantes embarcou no universo da cumbia rebajada, remixando o sucesso "Sangre De Barrio", o mais recente single em parceria com BNegão e Seu Cris, nesse estilo. A versão rebajada conta com a participação do chileno Bastian Martinez no acordeão. Embora o Brasil frequentemente demore para abraçar manifestações culturais dos países vizinhos, a banda possui uma forte ligação com estilos populares e underground da América Latina.